Sunday, September 28, 2008

Lágrima


Eu choro aos domingos.
Quando o cinzento de tempestade chega e encobre as cores da estação. Quando o mar se revolta e começa a retomar o que é seu. Quando a leve brisa do verão começa a levar as folhas, indicando o começo da nova estação.
As manhã perdem a vitalidade, porque o sol não as preenche. As ruas tornam-se tristes pelo toc-toc solitário das pessoas que as percorrem. A minha janela, estéril, pois todas as cores abandonaram a sua vista.
É no final da semana ou no recomeço da nova, com o acumular destas imagens, os dedos frios das janelas salpicadas, que choro.
Pelas lágrimas redescubro o prazer de passear pelas ruas molhadas. Entrar em casa de cabelos revoltos pelo vento. Tocar os teus lábios húmidos da chuva, dos sentimentos, de nós. Pegar na tua mão gelada e aquecê-la junto ao peito. Pisar as folhas secas espalhadas pelo chão. Soltar risos ao céu carregado e cheio por cima de nós. Abraçar o calor do teu corpo nas portas protegidas da chuva. Sentir-me abençoada pela lágrima solitária que a chuva colocou na minha face para tu a retirares, suave, pela primeira vez...
Eu choro aos domingos para abraçar a felicidade do resto da semana...

Tuesday, September 9, 2008

Efemeridade


Sentia alívio enquanto a agulha lhe penetrava a pele fina sobre os ossos. Alívio porque aquela dor era externa e podia controlá-la. Conforme a agulha ia seguindo as linhas do decalque nas costas, a dor ia-se difundindo e misturando com a que as suas memórias traziam. A pele luzia vermelha realçando as negras formas da tatuagem. Cada nova investida da agulha levava-o mais fundo, a mais recordações. Pequenas lágrimas rolavam-lhe pela face cobrindo o chão de constelações de sal e mágoa.
O olhar profundo,contendo muitas vidas. As tardes passadas a ouvir histórias imutáveis de episódios muitas vezes revividos, mas que lhe despertavam sempre admiração. O seu passo decidido que com o tempo se tornara hesitante e confuso. O hospital.
A agulha continuava o seu trabalho, avançando cada vez mais, como que explorando, cavando fundo a sua pele. Uma imagem começava a formar-se.
Queria recordar apenas o homem forte, esforçado e honrado que ele fora, o seu porte direito, o seu sorriso, os momentos de manhã junto à praia enquanto liam o jornal. Mas apenas via imagens do hospital: ele deitado, pequeno entre os lençóis e a sua mão na dele; ele confuso e zangado, frustrado por não poder cuidar de si próprio; os choros e as mesas reverberando graças a punhos irados. A luz do sol iluminando uma cama branca, onde um corpo frágil e sereno repousava. De sorriso calmo ele olhara-o e uma sensação de paz e felicidade, tão simples e pura pairara naquele quarto confortando-os a ambos. O último dia em que o viu antes de...
Era por isso que agora uma agulha percorria linhas nas suas costas. Tinha procurado, fotografia atrás de fotografia, história atrás de história, nas "pegadas das suas lembranças", um imagem, um momento que captasse a sua essência, que o representasse tal como ele o via.
Era a sua homenagem à efemeridade de alguém que ficaria consigo para sempre...