Monday, August 27, 2007

Lambisgóia



O sol batia-lhe nas costas enquanto trabalhava. Acartava caixas e caixas de loiça, fotografias, livros, objectos vários que compõe o "lixo" que se acumula numa casa em que se vive há muito tempo. Não era um trabalho de que gostasse especialmente, mas não exigia assim tanto de si e sempre dava para ganhar uns trocos nas férias.
Mas desta vez e pela primeira vez desde que começara, sentia-se profundamente irritado. Não pelo trabalho em si, mas pelo facto de, apesar de o ver suar sob aquele sol ardente, aquela lambisgóia não o largar... Petulante andava à sua volta alternando tiradas antipáticas e bastante afectadas sobre o quão desajeitado era e as consequências de estragar algum dos seus preciosos objectos com perguntas mascaradas sobre a sua vida pessoal.
"Então, já alguma menina o enredou nos seus encantos?...CUIDADO que esses copos de cristal já são do tempo da minha bisavó! ... Mas diga-me lá, em que dispende o tempo que este trabalho de deixa?...Gosta de trabalhar em jardiiiINNÃO FAÇA ISSO! Tem de lhe pegar de lado. De LADO ouviu?!? Ah...Mas continuando..."
Que CHATA!!! E ele a ter de aguentar aquilo...Afinal queria ser pago no final ... E bem o merecia!
Mas que raio queria a mulher? Será que não tinha nada de mais importante para fazer? Com tantos objectos do tempo dos tetraavós ou assim, tanta foto de família, amigos e famosos, tantos quartos, tanto espaço...Vazio...Foi então que percebeu. Porquê tanta pergunta. Porquê apenas ele e o rapaz que arrumava as coisas na carrinha para tanto coisa. Porquê mudar para uma casa mais pequena, bem no centro da cidade. Ela sentia-se sozinha...
Talvez umas perguntas não fossem assim tão más. E uns minutos de conversa nunca fizeram mal a ninguém...

Sunday, August 19, 2007

Hipotética


A verdade... Sim, a verdade me pedes enquanto me olhas nos olhos...Mas nada é assim tão simples. O mundo encontra-se cheio de tonalidades de cinzento...

Era verdade que te amava quando o disse naquela noite.
Eram verdade todos os planos que fizemos para nós.
Era verdade a emoção que o teu toque me provocava.
Era verdade a alegria do meu sorriso.
Era verdade a tristeza da separação.
Eram verdade as lágrimas de saudade.

É verdade que doeu. Mas também é verdade que tudo acaba por passar.

A verdade que me pedes é assim hipotética, pois tem como finalidade encontrar possíveis continuações para uma realidade já finalizada...

Sunday, August 12, 2007

Libelinha




Olho para o céu enquanto uma brisa suave brinca com os meus cabelos. As nuvens passeiam, feitas farrapos ao vento, pelo profundo azul que se reflecte no mar ou no qual o mar se reflecte.Fecho os olhos...Ao longe ouço o murmurar das ondas, cujo vai e vem marca a cadência do meu presente. Deitada na praia, praticamente isolada, quase que deixo a minha humanidade, o meu corpo, para trás. Apenas uma alma, um pensamento, procurando-se no Universo...Sinto algo pousar-me no peito. Abro os olhos e a libelinha parte, trazendo-me de volta às batidas do meu coração...