
O sol batia-lhe nas costas enquanto trabalhava. Acartava caixas e caixas de loiça, fotografias, livros, objectos vários que compõe o "lixo" que se acumula numa casa em que se vive há muito tempo. Não era um trabalho de que gostasse especialmente, mas não exigia assim tanto de si e sempre dava para ganhar uns trocos nas férias.
Mas desta vez e pela primeira vez desde que começara, sentia-se profundamente irritado. Não pelo trabalho em si, mas pelo facto de, apesar de o ver suar sob aquele sol ardente, aquela lambisgóia não o largar... Petulante andava à sua volta alternando tiradas antipáticas e bastante afectadas sobre o quão desajeitado era e as consequências de estragar algum dos seus preciosos objectos com perguntas mascaradas sobre a sua vida pessoal.
"Então, já alguma menina o enredou nos seus encantos?...CUIDADO que esses copos de cristal já são do tempo da minha bisavó! ... Mas diga-me lá, em que dispende o tempo que este trabalho de deixa?...Gosta de trabalhar em jardiiiINNÃO FAÇA ISSO! Tem de lhe pegar de lado. De LADO ouviu?!? Ah...Mas continuando..."
Que CHATA!!! E ele a ter de aguentar aquilo...Afinal queria ser pago no final ... E bem o merecia!
Mas que raio queria a mulher? Será que não tinha nada de mais importante para fazer? Com tantos objectos do tempo dos tetraavós ou assim, tanta foto de família, amigos e famosos, tantos quartos, tanto espaço...Vazio...Foi então que percebeu. Porquê tanta pergunta. Porquê apenas ele e o rapaz que arrumava as coisas na carrinha para tanto coisa. Porquê mudar para uma casa mais pequena, bem no centro da cidade. Ela sentia-se sozinha...
Talvez umas perguntas não fossem assim tão más. E uns minutos de conversa nunca fizeram mal a ninguém...