Friday, April 11, 2008

Fantasia


Entrou. E apesar do ruído e da variedade de pessoas que preenchiam aquela sala, soube imediatamente que ele estava lá. Como por instinto. Não que o visse. Mas a sua voz, inconfundível, conseguia atravessar todas as inúteis conversas que ocupavam o espaço, trazendo até ela pedaços do seu pensamento.
À porta da sala esperava, mas pelo quê? Porque era tão difícil falar? O seu coração, num misto de timidez, medo e paixão, hesitava, pairando com a música suave que se ouvia por entre vozes. E assim esperava: ouvindo os sons característicos de uma sala cheia de pessoas, num primeiro momento; depois a música, como que escapando a estes sons e enaltecendo-os com a sua pureza. embalando-a; agora a sua voz, num nível mais profundo, como se só ela a pudesse atingir, como se só para ela a ouvir...
Mais uns passos. Estava no meio da sala e de novo hesitava. Era assim ultimamente, na incerteza de emoções...
Sentia saudades das suas conversas, sempre interessantes, quer fossem sobre música, política, sonhos ou gozando um com o outro. Sentia falta dos seus momentos juntos, silenciosamente observando o mundo... Sentia falta da empatia naquele olhar.
No canto da sala conversava animadamente com um grupo de amigos. Um aceno, mas ele não olhara para ela...Quem os rodeava como que em suspenso, esperando pela acção dos personagens principais. Ela ...talvez agora tivesse a possibilidade de uma certeza...

Um olhar furtivo e ela soube. Era tempo de abandonar aquela fantasia...

Silenciosamente, atravessou a sala e encaminhando-se para juntos dos seus amigos, disse-lhe adeus...

4 comments:

Anonymous said...

Carocas: uma vez artista, para sempre artista...

Há fantasias que uma vez concretizadas perdem todo o seu encanto. E a realidade é sempre mais crua e áspera. O não saber o que irá acontecer é o que mantém uma fantasia viva, e depois de se saber, por mais feliz que seja o desfecho, pode deixar de ter graça.

Uma dicazinha de uma pessoa que vive noutra dimensão (deveras): sonhai até tirardes os pés do chão! Só assim a vida se torna bonita e suportável...

(mas claro, isto é só o que eu acho)

Idiossincrasias said...

Olá Carol,

Boa noite! Gostei. Ando a ler Poemas,de Alda Lara, conheces? Deixo-te aqui um que me parece paralelo ao teu texto. Espero que também gostes.

Um beijo,


Romance

Menina dos olhos belos,
Dos verdes olhos tão belos,
Menina dos olhos tristes...
Sentada nessa varanda
onde não passa ninguém
porque esperas soluçando
todo o dia quem não vem?...

Menina dos belos olhos.
Mãos cruzadas. Olhar vago.
Nem o mais ligeiro afago
O vento aqui te deixou…
Posta então nessa varanda,
porque esperas noite e dia,
tão serena e tão sombria
quem por aqui já passou?...

Se tu soubesses menina!...
Enquanto bordas sonhando
em tua toalha fina,
bem perto desta varanda,
quantas varandas quebraram!
quantas meninas deixaram
suas tão belas varandas,
e nunca mais se tornaram…
Quantas! Quantas!

E tu, sentada bordando…
E tu, sozinha esperando,
alta noite, longo dia,
por quem te esqueceu, passando…
E tu, sentada, sonhando…
Hão-de apagar-se as estrelas
há-de enrugar-se o arvoredo
e tu sentada, sonhando
em silêncio, o teu segredo…

Menina! Parte! Olha o tempo!
Pega na tua, esta mão…
Irás pela madrugada
em teu cavalo alazão!
Irás de cabelo solto
e larga saia rodada,
irás de coração livre,
entoando uma canção!...

Irás! E contigo, certo,
só teu destino liberto.
Só tu, sozinha, à procura
doutra estrela, noutro céu,
em busca de quanta vida
esta morte em ti nasceu!...

Alda Lara

Anonymous said...

Quem e que deu a ideia a menina??!?! ah pois e fui eu..
Depois de montes de palavras ou q eu me esquecia ou q tu não te lembravas la chegamos a uma "fantasia"....

Anonymous said...

Não imaginam a minha alegria por voltar a ler o poema "Romance" depois de 13 anos.É um poema que marcou muito a minha infância porque na 5ª classe numa das aulas de Língua Portuguesa (em Angola), o meu professor deu-nos este poema para ler.Foi também nesta altura que comecei a compôr canções e foi então que criei uma melodia e fiz deste poema uma canção. Há meses atrás procurei tanto mas não encontrei e também não me lembrava do nome do autor, hoje para minha grande surpresa só escrevi um trechinho do texto e logo apareceu.Que sensação boa! Obrigada, ganhei o meu dia!

Sheila Vargem